quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

FEDEZ - MAGNIFICO FEAT FRANCESCA MICHIELIN

E gli anni passano e non ci cambiano
Davvero trovi che sia diverso?
Guardami in faccia I miei occhi parlano
E tu dovresti ascoltarli un po' più spesso

Sorridi quando piove, sei triste quando c'è il sole
Devi smetterla di piangere fuori stagione
Dai proviamo e poi vediamo che succede
Per ogni mia parte che ti vuole, c'è un'altra che retrocede

Sapessi quante ne ho viste di scalatrici sociali
Regalano due di picche aspettando il re di denari
Quante volte ad un "ti amo" hai risposto, "No, non posso"
Hai provato dei sentimenti e non ti stanno bene addosso
Parliamo allo stesso modo ma con diversi argomenti
Siamo nello stesso hotel ma con due viste differenti
L'amore è un punto di arrivo, una conquista
Ma non esiste prospettiva senza due punti di vista

Anche se poi tutto è magnifico
Non lo prenderò come un rimprovero
E' possibile abbia sogni sbagliati, un po' illusi al momento
Mi appartengono

Fuori è magnifico
Si ma tu un po' di più
Sei la bellezza a due passi
A portata di manicure
Ma so che quando troveranno il centro dell'universo
Rimarrai delusa a scoprire che non sei tu
Ognuno coi suoi pensieri e I suoi segreti
Lo so siamo divisi dalla spazio senza essere pianeti

L'amore rende ciechi devo dirtelo
E io devo smettere di cercare le scarpe nel frigorifero
Ma tu non guardi me continui a guardare fuori
Ti ho dato I giorni migliori dei miei anni peggiori
Contraddizioni e vizi, a ognuno il suo
Ma questa notte dormo sul mio fianco preferito, il tuo
Anche se poi tutto è magnifico
Non lo prenderò come un rimprovero
E' possibile abbia sogni sbagliati, un po' illusi al momento
Mi appartengono

Anche se poi tutto è realistico
Non lo prenderò come un rammarico
E' possibile abbia sogni sbagliati, un po' illusi al momento
Mi appartengono
Fuori è magnifico, fuori tutto è magnifico
(Fuori è magnifico, si ma tu sei di più)
Fuori è magnifico, fuori tutto è magnifico
(Fuori è magnifico, si ma tu sei di più)
E' possibile abbia sogni sbagliati, un po' illusi al momento
Mi appartengono

Anche se poi tutto è magnifico
Non lo prenderò come un rimprovero
E' possibile abbia sogni sbagliati, un po' illusi al momento
Mi appartengono
Anche se poi tutto è magnifico
Non lo prenderò come un rimprovero
E' possibile abbia sogni sbagliati, un po' illusi al momento
Mi appartengono


sábado, 26 de dezembro de 2015

Os Três Amores

I

Minh'alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes. ..
- Tu és Eleonora...

II

Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu... teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
- E tu és Julieta...

III

Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
Tu és-Júlia, a Espanhola!. . .


ALVES, Castro. Espumas flutuantes. in Poesias Completas. São Paulo : Ediouro, s.d. (Prestígio).

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Noturno

Já toda a terra adormece.
Sai um soluço da flor.
Rompe de tudo um rumor,
Leve como o de uma prece.

A tarde cai. Misterioso,
Geme entre os ramos o vento.
E há por todo o firmamento
Um anseio doloroso.

Áureo turíbulo imenso,
O ocaso em púrpuras arde,
E para a oração da tarde
Desfaz-se em rolos de incenso.

Moribundos e suaves,
O vento na asa conduz
O último raio da luz
E o último canto das aves.

E Deus, na altura infinita,
Abre a mão profunda e calma,
Em cuja profunda palma
Todo o Universo palpita.

Mas um barulho se eleva...
E , no páramo celeste,
A horda dos astros investe
Contra a muralha da treva.

As estrelas, salmodiando
O Peã sacro, a voar,
Enchem de cânticos o ar...
E vão passando... passando...

Agora, maior tristeza,
Silêncio agora mais fundo;
Dorme, num sono profundo,
Sem sonhos, a natureza.

A flor-da-noite abre o cálix...
E, soltos, os pirilampos
Cobrem a face dos campos,
Enchem o seio dos vales:

Trêfegos e alvoroçados,
Saltam, fantásticos Djins,
De entre as moitas de jasmins,
De entre os rosais perfumados.

Um deles pela janela
Entre no teu aposento,
E pára, plácido e atento,
Vendo-te, pálida e bela.

Chega ao teu cabelo fino,
Mete-se nele: e fulgura,
E arde nessa noite escura,
Como um astro pequenino.

E fica. Os outros lá fora
Deliram. Dormes... Feliz,
Não ouves o que ele diz,
Não ouves como ele chora...

Diz ele: “O poeta encerra
Uma noite, em si, mais triste
Que essa que, quando dormiste,
Velava a face da terra...

Os outros saem do meio
Das moitas cheias de flores:
Mas eu saí de entre as dores
Que ele tem dentro do seio.

Os outros a toda parte
Levam o vivo clarão,
E eu vim do seu coração
Só para ver-te e beijar-te.

Mandou-me sua alma louca,
Que a dor da ausência consome,
Saber se em sonho o seu nome
Brilha agora em tua boca!

Mandou-me ficar suspenso
Sobre o teu peito deserto,
Por contemplar de mais perto
Todo esse deserto imenso!”

Isso diz o pirilampo...
Anda lá fora um rumor
De asas rufladas... A flor
Desperta, desperta o campo...

Todos os outros, prevendo
Que vinha o dia, partiram,
Todos os outros fugiram...
Só ele fica gemendo.

Fica, ansioso e sozinho,
Sobre o teu sono pairando...
E apenas, a luz fechando,
Volve de novo ao seu ninho,

Quando vê, inda não farto
De te ver e de te amar,
Que o sol descerras do olhar,
E o dia nasce em teu quarto...


BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a
obra-prima de cada autor).

domingo, 20 de dezembro de 2015

A Rua dos Cataventos

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!


Publicado no livro A Rua dos Cataventos de Mario Quintana (1940).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Fita Verde

Prendi uma fita bem verde
nos meus cabelos escuros.
Fiquei quase uma menina
capaz de subir nos muros.

Troquei de alma e de idade
e brinquei entre as crianças.
Meus pesares voaram longe...
e as minhas desesperanças.

Na roda da "Cirandinha"
ninguém cantou como eu.
Cantei, cantei todo o dia
até que o sol se escondeu.

E veio a noite e o cansaço
e nós fomos descansar:
as crianças de verdade
e eu que brinquei de enganar.

(...)


Publicado no livro Céu Vazio: poesia (1941).

In: RIPOLL, Lila. Antologia poética. Rio de Janeiro: Leitura; Brasília: INL, 1968. p.2

Fonte: Escritas.org

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

PEDIDO

Ontem no baile
Não me atendias!
Não me atendias,
Quando eu falava.

De mim bem longe
Teu pensamento!!
Teu pensamento,
Bem longe errava.

Eu vi teus olhos
Sobre outros olhos!
Sobre outros olhos,
Que eu odiava.

Tu lhe sorriste
Com tal sorriso!
Com tal sorriso,
Que apunhalava.

Tu lhe falaste
Com voz tão doce!
Com voz tão doce,
Que me matava.

Oh! não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Se então só qu'rias
Exp'rimentar-me.

Oh! não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Não lhe sorrias,
Que era matar-me.


DIAS, Antônio Gonçalves. Primeiros Cantos. Universidade da Amazônia. Nead – Núcleo de educação a distância. (1846)

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

HINO À DOR

Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam...

És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!

Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tato
Prendo a orquestra de chamas que executas...

E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!


ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1998

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

SAUDADES

Leva este ramo, Pepita,
De saudades portuguesas;
É flor nossa; e tão bonita
Não na há noutras devesas.

Seu perfume não seduz,
Não tem variado matiz,
Vive à sombra, foge à luz,
As glórias d’amor não diz;

Mas na modesta beleza
De sua melancolia
É tão suave a tristeza,
Inspira tal simpatia!...

E tem um dote esta flor
Que de outra igual se não diz:
Não perde viço ou frescor
Quando a tiram da raiz.

Antes mais e mais floresce
Com tudo o que as outras mata;
Até às vezes mais cresce
Na terra que é mais ingrata.

Só tem um cruel senão,
Que te não devo esconder:
Plantada no coração,
Toda outra flor faz morrer.

E, se o quebra e despedaça
Com as raízes mofinas,
Mais ela tem brilho e graça,
É como a flor das ruínas.

Não, Pepita, não ta dou...
Fiz mal em dar-te essa flor,
Que eu sei o que me custou
Tratá-la com tanto amor.


GARRET, Almeida. Folhas caídas. 2 ed. Mem-Martins : Europa-América.

domingo, 8 de novembro de 2015

Não Se Trata de Anjos

Sabemos muito bem que ainda há tempo
Então, é errado dançar esse verso?
Se o seu coração estivesse cheio de amor
Você desistiria?
Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
Nos fazem especiais
Não desista de mim
Não desista de mim
Quão injusto é o nosso acaso
Encontramos algo tão verdadeiro
Que está fora de alcance
Mas se você encontrasse nesse vasto mundo
Você teria coragem de deixá-lo ir?
Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
E nos fazem especiais
Não desista de mim
Não desista de mim
Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
E nos fazem especiais
Não se trata, não se trata de anjos
Anjos

sábado, 7 de novembro de 2015

MÚSICA DE MANIVELA

Sente-se diante da vitrola
E esqueça-se das vicissitudes da vida
Na dura labuta de todos os dias
Não deve ninguém que se preze
Descuidar dos prazeres da alma

Discos a todos os preços.


Oswald de Andrade. Postes da Light. Pau-Brasil (1925)

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O gramático

Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou.


Oswald de Andrade. Poemas da Colonização, 31 (1972)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O Laço de Fita

Não sabes crianças? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
                Num laço de fita.

Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
                O laço de fita.

Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
                Num laço de fita.

E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
                Ó laço de fita!

Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
                Um laço de fita.

Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
                Teu laço de fita.

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
                No laço de fita.

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
                Teu laço de fita.

ALVES, Castro. Espumas flutuantes. in Poesias Completas. São Paulo : Ediouro, s.d. (Prestígio).

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Virgens mortas

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velo engaste azul do firmamento:
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós, quando anoitece,
Cuidado! – o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,
- Piedade! elas vêem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras!


BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a
obra-prima de cada autor).

sábado, 31 de outubro de 2015

Trecho de "A garota inglesa"

"Ele precisava de mais uma coisa antes de dar início à busca: um cúmplice. Bastante competente, completamente impiedoso e sem nenhum resquício de consciência. Ele precisava de Christopher Keller."  p.163

SILVA, Daniel. A garota inglesa. São Paulo: Editora Arqueiro, 2015. 336 p.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Publicado no livro Melhores Poemas de Manuel Bandeira, organização de Francisco Assis Barbosa. 15 ed. Global Editora, 2013.

domingo, 25 de outubro de 2015

VENCIDO

No auge de atordoadora e ávida sanha
Leu tudo, desde o mais prístino mito,
por exemplo: o do boi Ápis do Egito
Ao velho Niebelungen da Alemanha.

Acometido de uma febre estranha
Sem o escândalo fônico de um grito,
mergulhou a cabeça no Infinito,
Arrancou os cabelos na montanha!

Desceu depois à gleba mais bastarda,
Pondo a áurea insígnia heráldica da farda
À vontade do vômito plebeu...

E ao vir-lhe o cuspo diário à boca fria
O vencido pensava que cuspia
Na célula infeliz de onde nasceu.


ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1998

terça-feira, 20 de outubro de 2015

DESEJO

E poi morir.
— Metastásio

Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;

Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!


DIAS, Antônio Gonçalves. Primeiros Cantos. Universidade da Amazônia. Nead – Núcleo de educação a distância. (1846)

domingo, 11 de outubro de 2015

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados


Oswald de Andrade. História do Brasil. J.M.P.S.(da cidade do porto)Pau-Brasil (1925)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Poema VI

Hoje pensar me dói como ferida.
O próprio poema não é poema.
Tem qualquer coisa de trágico.
De sangue junto ao muro.
De pétalas descidas.
De véu cobrindo o retrato
de um morto.

Hoje pensar me dói como ferida.
Mas é uma imposição-pensar.

Não quero estado de graça,
nem aceito determinismo.
Só a morte é irreversível.

A opressão do azul
aumenta meu conflito,
e é cruel escutar as razões
da razão.

Quisera repartir-me
no cristal da manhã.

Ser um pouco daquela rosa
tocada de irrealidade;
de tênue luz ferindo
o espelho do rio;
daquela estátua pudica
que parece ter ressuscitado
a inocência

Mas em vez disso,
aqui estou:
queimada em pensamentos,
quebrados os instrumentos
do sonho.


Poema integrante da série Poemas Inéditos.

In: RIPOLL, Lila. Antologia poética. Rio de Janeiro: Leitura; Brasília: INL, 1968

Fonte: Escritas.org

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Immensis Orbitus Anguis

Sibila lambebant linguis vibranlibas ora.

VIRGÍLIO

Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda,
E lustra o dorso nu da índia americana...
Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda,
E pousa o colibri nas flores da liana.

Ali - a luz cruel, a calmaria intensa!
Aqui - a sombra, a paz, os ventos, a cascata...
E a pluma dos bambus a tremular imensa...
E o canto de aves mil... e a solidão... e a mata...

E à hora em que, fugindo aos raios da esplanada,
A Indígena, a gentil matrona do deserto
Amarra aos palmeirais a rede mosqueada,
Que, leve como um berço, embala o vento incerto...

Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado
A perna a n ais formosa-o corpo o mais macio,
E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado
Entrega um seio nu, moreno, luzidio.

Porém, dentre os espatos esguios do coqueiro,
Do verde gravata nos cachos reluzentes,
Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
E desce devagar pelos cipós pendentes.

E desce... e desce mais... à rede já se chega...
Da índia nos cabelos a longa cauda some...
Horror! aquele horror ao peito eis que se apega!
A baba - quer o leite! - A chaga - sente fome!

O veneno-quer mel! A escama quer a pele!
Quer o almíscar-perfume!-O imundo quer-o belo!
A língua do reptil-lambendo o seio imbele!...
Uma cobra-por filho... Horrível pesadelo!...

II

Assim, minh'alma, assim um dia adormeceste
Na floresta ideal da ardente mocidade...
Abria a fantasia- a pétala celeste...
Zumbia o sonho d'ouro em doce obscuridade...

Assim, minh'alma deste o seio (ó dor imensa!)
Onde a paixão corria indômita e fremente!
Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença,
Não boca de mulher... mas de fatal serpente!...

ALVES, Castro. Espumas flutuantes. in Poesias Completas. São Paulo : Ediouro, s.d. (Prestígio).

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Grilo

Um grilo fere
o silêncio com seu
canto.
Fere ouvidos
fere alma
pensamento
e solidão.

Risca o vidro
da janela.
Traça desenhos
no ar. Vai
crescendo
de insistência.
Parece agulha
de vidro. Fina
lâmina cortante
abrindo sulcos
no ar.

Vai o canto
se adensando
de mistura
com a chuva
Vai o canto
se adensando
de mistura
com o vento.

Grilo e chuva
na janela.
Grilo e vento
na vidraça.

Vento e chuva,
grilo e vento
levaram meu pensamento
e o desfolharam
no ar.


Poema integrante da série Poemas Inéditos.

In: RIPOLL, Lila. Antologia poética. Rio de Janeiro: Leitura; Brasília: INL, 1968

Fonte: Escritas.org

sábado, 12 de setembro de 2015

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Primavera

Ah! quem nos dera que isto, como outrora,
Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
Que inda juntos pudéssemos agora
Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.
E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,
Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
E aos meus beijos de fogo palpitava,
Alquebrado de amor e de cansaço...

A alma da terra gorjeava e ria...
Nascia a primavera... E eu te levava,
Primavera de carne, pelo braço!


BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a
obra-prima de cada autor).

domingo, 6 de setembro de 2015

A MINHA MUSA

Gratia, Musa, tibi; nam tu solattia praebes.
— Ovídio

Minha Musa não é como ninfa
Que se eleva das águas — gentil —
Co'um sorriso nos lábios mimosos,
Com requebros, com ar senhoril.

Nem lhe pousa nas faces redondas
Dos fagueiros anelos a cor;
Nesta terra não tem uma esp'rança,
Nesta terra não tem um amor.

Como fada de meigos encantos,
Não habita um palácio encantado,
Quer em meio de matas sombrias,
Quer à beira do mar levantado.

Não tem ela uma senda florida,
De perfumes, de flores bem cheia,
Onde vague com passos incertos,
Quando o céu de luzeiros se arreia.

Não é como a de Horácio a minha Musa;
Nos soberbos alpendres dos Senhores
Não é que ela reside;
Ao banquete do grande em lauta mesa,
Onde gira o falerno em taças d'oiro,
Não é que ela preside.

Ela ama a solidão, ama o silêncio,
Ama o prado florido, a selva umbrosa
E da rola o carpir.
Ela ama a viração da tarde amena,
O sussurro das águas, os acentos
De profundo sentir.

D'Anacreonte o gênio prazenteiro,
Que de flores cingia a fronte calva
Em brilhante festim,
Tomando inspirações à doce amada,
Que leda lh'enflorava a ebúrnea lira;
De que me serve, a mim?

Canções que a turba nutre, inspira, exalta
Nas cordas magoadas me não pousam
Da lira de marfim.
Correm meus dias, lacrimosos, tristes,
Como a noite que estende as negras asas
Por céu negro e sem fim.

É triste a minha Musa, como é triste
O sincero verter d'amargo pranto
D'órfã singela;
E triste como o som que a brisa espalha,
Que cicia nas folhas do arvoredo
Por noite bela.

É triste como o som que o sino ao longe
Vai perder na extensão d'ameno prado
Da tarde no cair,
Quando nasce o silêncio involto em trevas,
Quando os astros derramam sobre a terra
Merencório luzir.

Ela então, sem destino, erra por vales,
Erra por altos montes, onde a enxada
Fundo e fundo cavou;
E pára; perto, jovial pastora
Cantando passa — e ela cisma ainda
Depois que esta passou.

Além — da choça humilde s'ergue o fumo
Que em risonha espiral se eleva às nuvens
Da noite entre os vapores;
Muge solto o rebanho; e lento o passo,
Cantando em voz sonora, porém baixa,
Vêm andando os pastores.

Outras vezes também, no cemitério,
Incerta volve o passo, soletrando
Recordações da vida;
Roça o negro cipreste, calca o musgo,
Que o tempo fez brotar por entre as fendas
Da pedra carcomida.

Então corre o meu pranto muito e muito
Sobre as úmidas cordas da minha Harpa,
Que não ressoam;
Não choro os mortos, não; choro os meus dias
Tão sentidos, tão longos, tão amargos,
Que em vão se escoam.

Nesse pobre cemitério
Quem já me dera um lugar!
Esta vida mal vivida
Quem já ma dera acabar!

Tenho inveja ao pegureiro,
Da pastora invejo a vida,
Invejo o sono dos mortos
Sob a laje carcomida.

Se qual pegão tormentoso,
O sopro da desventura
Vai bater potente à porta
De sumida sepultura:

Uma voz não lhe responde,
Não lhe responde um gemido,
Não lhe responde urna prece,
Um ai — do peito sentido.

Já não têm voz com que falem,
Já não têm que padecer;
No passar da vida à morte
Foi seu extremo sofrer.

Que lh'importa a desventura?
Ela passou, qual gemido
Da brisa em meio da mata
De verde alecrim florido.

Quem me dera ser como eles!
Quem me dera descansar!
Nesse pobre cemitério
Quem me dera o meu lugar,
E co'os sons das Harpas d'anjos
Da minha Harpa os sons casar!


DIAS, Antônio Gonçalves. Primeiros Cantos. Universidade da Amazônia. Nead – Núcleo de educação a distância. (1846)

sábado, 5 de setembro de 2015

Tédio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardes em vir, último outono,
Lançar-me a folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, vazia
Como uma catedral abandonada!...


BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a
obra-prima de cada autor).

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Cartas de Meu Avô

A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Chora monotonamente.
E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.
Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.
Cartas de antes do noivado…
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.
Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala…
A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.
Publicado no livro Melhores Poemas de Manuel Bandeira, organização de Francisco Assis Barbosa. 15 ed. Global Editora, 2013.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O CANTO DO PIAGA

I

Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Ó Guerreiros da Tribu Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi.

Esta noite — era a lua já morta —
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar.

Abro os olhos, inquieto, medroso,
Manitôs! que prodígios que vil
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi!

Eis rebenta a meus pés um fantasma,
Um fantasma d'imensa extensão;
Liso crânio repousa a meu lado,
Feia cobra se enrosca no chão.

O meu sangue gelou-se nas veias,
Todo inteiro — ossos, carnes — tremi,
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti.

Era feio, medonho, tremendo,
Ó Guerreiros, o espectro que eu vi.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi!

II

Por que dormes, Ó Piaga divino?
Começou-me a Visão a falar,
Por que dormes? O sacro instrumento
De per si já começa a vibrar.

Tu não viste nos céus um negrume
Toda a face do sol ofuscar;
Não ouviste a coruja, de dia,
Seus estrídulos torva soltar?

Tu não viste dos bosques a coma
Sem aragem — vergar-se e gemer,
Nem a lua de fogo entre nuvens,
Qual em vestes de sangue, nascer?

E tu dormes, ó Piaga divino!
E Anhangá te proíbe sonhar!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes,
E não podes augúrios cantar?!

Ouve o anúncio do horrendo fantasma,
Ouve os sons do fiel Maracá;
Manitôs já fugiram da Taba!
Ó desgraça! Ó ruína! Ó Tupá!

III

Pelas ondas do mar sem limites
Basta selva, sem folhas, i vem;
Hartos troncos, robustos, gigantes;
Vossas matas tais monstros contêm.

Traz embira dos cimos pendente
— Brenha espessa de vário cipó -
Dessas brenhas contêm vossas matas,
Tais e quais, mas com folhas; é só!

Negro monstro os sustenta por baixo,
Brancas asas abrindo ao tufão,
Como um bando de cândidas garças,
Que nos ares pairando — lá vão.

Oh! quem foi das entranhas das águas,
O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja...
Esse monstro... — o que vem cá buscar?

Não sabeis o que o monstro procura?
Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
Vem roubar-vos a filha, a mulher!

Vem trazer-vos crueza, impiedade —
Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Profanar Manitôs, Maracás.

Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que a tribu Tupi vai gemer;
Hão de os velhos servirem de escravos
Mesmo o Piaga inda escravo há de ser?

Fugireis procurando um asilo,
Triste asilo por ínvio sertão;
Anhangá de prazer há de rir-se,
Vendo os vossos quão poucos serão.

Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,
Susta as iras do fero Anhangá.
Manitôs já fugiram da Taba,
Ó desgraça! ó ruína!! ó Tupá!

DIAS, Antônio Gonçalves. Primeiros Cantos. Universidade da Amazônia. Nead – Núcleo de educação a distância. (1846)

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O CANTO DO ÍNDIO

Quando o sol vai dentro d'água
Seus ardores sepultar,
Quando os pássaros nos bosques
Principiam a trinar;
Eu a vi, que se banhava...
Era bela, ó Deuses, bela,
Como a fonte cristalina,
Como luz de meiga estrela.

Ó Virgem, Virgem dos Cristãos formosa,
Porque eu te visse assim, como te via,
Calcara agros espinhos sem queixar-me,
Que antes me dera por feliz de ver-te.

O tacape fatal em terra estranha
Sobre mim sem temor veria erguido;
Dessem-me a mim somente ver teu rosto
Nas águas, como a lua, retratado.

Eis que os seus loiros cabelos
Pelas águas se espalhavam,
Pelas águas, que de vê-los
Tão loiros se enamoravam.

Ela erguia o colo ebúrneo,
Por que melhor os colhesse;
Níveo colo, quem te visse,
Que de amores não morresse!

Passara a vida inteira a contemplar-te,
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa,
Sem que dos meus irmãos ouvisse o canto,
Sem que o som do Boré que incita à guerra
Me infiltrasse o valor que m'hás roubado,
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa.

Às vezes, quando um sorriso
Os lábios seus entreabria,
Era bela, oh! mais que a aurora
Quando a raiar principia.

Outra vez — dentre os seus lábios
Uma voz se desprendia;
Terna voz, cheia de encantos,
Que eu entender não podia.

Que importa? Esse falar deixou-me n'alma
Sentir d'amores tão sereno e fundo,
Que a vida me prendeu, vontade e força
Ah! que não queiras tu viver comigo,
Ó Virgem dos Cristãos, Virgem formosa!

Sobre a areia, já mais tarde,
Ela surgiu toda nua;
Onde há, ó Virgem, na terra
Formosura como a tua!?

Bem como gotas de orvalho
Nas folhas de flor mimosa,
Do seu corpo a onda em fios
Se deslizava amorosa.

Ah! que não queiras tu vir ser rainha
Aqui dos meus irmãos, qual sou rei deles!
Escuta, ó Virgem dos Cristãos formosa.
Odeio tanto aos teus, como te adoro;
Mas queiras tu ser minha, que eu prometo
Vencer por teu amor meu ódio antigo,
Trocar a maça do poder por ferros
E ser, por te gozar, escravo deles.


DIAS, Antônio Gonçalves. Primeiros Cantos. Universidade da Amazônia. Nead – Núcleo de educação a distância. (1846)

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Dedicatória

A pomba d'aliança o vôo espraia
Na superfície azul do mar imenso,
Rente... rente da espuma já desmaia
Medindo a curva do horizonte extenso...
Mas um disco se avista ao longe... A praia
Rasga nitente o nevoeiro denso!...
O pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!
Ninho amigo da pomba forasteira!...

Assim, meu pobre livro as asas larga
Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...
O mar atira-lhe a saliva amarga,
O céu lhe atira o temporal de inverno...
O triste verga à tão pesada carga!
Quem abre ao triste um coração paterno?...
É tão bom ter por árvore-uns carinhos!
É tão bom de uns afetos - fazer ninhos!

Pobre órfão! Vagando nos espaços
Embalde às solidões mandas um grito!
Que importa? De uma cruz ao longe os braços
Vejo abrirem-se ao mísero precito...
Os túmulos dos teus dão-te regaços!
Ama-te a sombra do salgueiro aflito...
Vai, pois, meu livro! e como louro agreste
Traz-me no bico um ramo de... cipreste!


ALVES, Castro. Espumas flutuantes. in Poesias Completas. São Paulo : Ediouro, s.d. (Prestígio).

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A IDÉIA

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas da laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica!


ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1998

domingo, 30 de agosto de 2015

O LÁZARO DA PÁTRIA

Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabeça ponha,
Deixa circunferências de peçonha,
Marcas oriundas de úlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,
Sente no tórax a pressão medonha
Do bruto embate férreo das tenazes.

Mostra aos montes e aos rígidos rochedos
A hedionda elefantíase dos dedos
Há um cansaço no Cosmos... Anoitece.

Riem as meretrizes no Cassino,
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!

ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1998

sábado, 29 de agosto de 2015

Cantiga de Roda

"Bota terra no meu lenço,
pra plantá manjericão."
— Ai! versos da minha infância,
meus anos não volverão.

"Atirei um limão verde
por cima da sacristia."
— Ai! vozes que me prenderam
a um passado de alegria!

"Menina, minha menina,
cinturinha de retrós."
— Ai! balcão de nossa loja,
onde andarão meus avós?

"O cravo brigou com a rosa
defronte de uma sacada."
— Ai! cantigas esquecidas,
crianças de mãos trançadas.

"Roda, roda cirandinha,
vamos todos cirandar."
— Ai! prendas da minha infância,
deixem meus olhos chorar!

"Lá vem o sol, vem chegando
redondo como um botão."
— Ai! joguem terra em meu corpo
mas deixem meu coração.

Ai! joguem terra em meu corpo
mas poupem meu coração.

Botem terra no meu corpo
mas plantem manjericão!


Publicado no livro O Coração Descoberto (1961).

In: RIPOLL, Lila. Antologia poética. Rio de Janeiro: Leitura; Brasília: INL, 1968. p.78-7

Fonte: Escritas.org

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! 
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.


Oswald de Andrade. Poemas Menores, 115 (1972)

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Na rede

Nas horas ardentes do pino do dia
Aos bosques corri;
E qual linda imagem dos castos amores,
Dormindo e sonhando cercada de flores
Nos bosques a vi!

Dormia deitada na rede de penas
- O céu por dossel,
De leve embalada no quieto balanço
Qual nauta cismando num lago bem manso
Num leve batel!
Dormia e sonhava - no rosto serena
Qual um serafim;
Os cílios pendidos nos olhos tão belos,
E a brisa brincando nos soltos cabelos
De fino cetim!
Dormia e sonhava - formosa embebida
No doce sonhar,
E doce e sereno num mágico anseio
Debaixo das roupas batia-lhe o seio
No seu palpitar!
Dormia e sonhava - a boca entreaberta,
O lábio a sorrir;
No peito cruzados os braços dormentes,
Compridos e lisos quais brancas serpentes
No colo a dormir!
Dormia e sonhava - num sonho de amores
Chamava por mim,
E a voz suspirosa nos lábios morria
Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia
De algum bandolim!
Dormia e sonhava - de manso cheguei-me
Sem leve rumor;
Pendi-me tremendo e qual fraco vagido,
Qual sopro da brisa, baixinho ao ouvido
Falei-lhe de amor!
Ao hálito ardente o peito palpita...
Mas sem despertar;
E como nas ânsias dum sonho que é lindo,
A virgem na rede corando e sorrindo...
Beijou-me a sonhar!


Junho - 1858

ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

No álbum de J.C.M.

Nestas folhas perfumadas
Pelas rosas desfolhadas
Desses cantos de amizade,
Permite que venha agora
Quem longe da pátria chora
Bem triste gravar: - saudade !

Lisboa

ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Meus oito anos

Oh ! que saudades que tenho
Da aurora de minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !
Como são belos os dias
Do despontar da existência !
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu é - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d’amor !
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !

Oh! dias da minha infância !
Oh! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar !
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
- Que amor, que sonhos, que flores.
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !


Lisboa - 1857

ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Grito

Não, não irei sem grito.
Minha voz nesse dia subirá.
E eu me erguerei também.
Solitária. Definida.

As portas adormecidas abrirão
passagem para o mundo

Meus sonhos, meus fantasmas,
meus exércitos derrotados,
sacudirão o silêncio de convenção
e as máscaras de piedade compungida.

Dispensarei as rosas, as violetas,
os absurdos véus sobre meu rosto.

Serei eu mesma. Estarei
inteira sobre a mesa.
As mãos vazias e crispadas,
os olhos acordados,
a boca vincada de amargor.

Não. Não irei sem grito.

Abram as portas adormecidas,
levantem as cortinas,
abaixem as vozes
e as máscaras —

que eu vou sair inteira.
Eu mesma. Solitária.
Definida.


Publicado no livro O Coração Descoberto (1961).

In: RIPOLL, Lila. Antologia poética. Rio de Janeiro: Leitura; Brasília: INL, 1968. p.81-8


Fonte: Escritas.org

domingo, 23 de agosto de 2015

Saudades

Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar !
Nessas horas de silêncio,
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,

Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.
Então - proscrito e sozinho -
Eu solto os ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra
Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
- Saudades - dos meus amores,
- Saudades da minha terra !

ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972.

sábado, 22 de agosto de 2015

SONETO

Por entre o Beberibe, e o Oceano
Em uma areia sáfia, e lagadiça
Jaz o Recife povoação mestiça,
Que o Belga edificou ímpio tirano.

O Povo é pouco, e muito pouco urbano,
Que vive à mercê de uma linguiça,
Unha de velha insípida enfermiça,
E camarões de charco em todo o ano.

As Damas cortesãs, e por rasgadas
Olhas podridas, são, e pestilências,
Elas com purgações, nunca purgadas.

MATOS, Gregório de. Seleção de Obras Poéticas.
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br/>
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo 

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

SEQUÊNCIA



Dormir, acordar. 
Lutar; lutar sempre, 
sempre assim, até o fim. 

II 

A rotina da vida 
vai passando, 
vai rolando, 
empurrando sempre, 
sempre para a frente. 

III 

Impassível o tempo 
que se espera. 
Contra tempo que exaspera, 
desespera. 
E vai passando aceitando 
inexorável, inflexível: 
O vai-vem da vida, 
a sequência dos dias, 
O cotidiano das horas, 
a fuga dos minutos, 
a eternidade de um segundo. 

IV 

A vida se esvai 
no atropelo das gerações, 
na corrente dos anos, 
na ânsia dos impossíveis: 
Removendo as pedras, 
cavando trincheiras, 
construindo os caminhos do futuro. 



Passa a bandeira. 
Pioneiro dos pioneiros, vanguardeiros 
sobraçando ideias, 
reividicações heróicas, 
agitando o lábaro dos protestos. 

VI 

O encontro épico - 
a selvageria das cidades: a vadiada, 
a matilha amestrada, 
O bando acordado dos acomodados retardados. 

VII 

Destroçada segue a bandeira 
desfalcada. 
No heroísmo da bandeira 
alguma coisa salva. 



CORA CORALINA
In Meu livro de cordel, 1976


Fonte: http://www.avozdapoesia.com.br/