sexta-feira, 27 de novembro de 2015

PEDIDO

Ontem no baile
Não me atendias!
Não me atendias,
Quando eu falava.

De mim bem longe
Teu pensamento!!
Teu pensamento,
Bem longe errava.

Eu vi teus olhos
Sobre outros olhos!
Sobre outros olhos,
Que eu odiava.

Tu lhe sorriste
Com tal sorriso!
Com tal sorriso,
Que apunhalava.

Tu lhe falaste
Com voz tão doce!
Com voz tão doce,
Que me matava.

Oh! não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Se então só qu'rias
Exp'rimentar-me.

Oh! não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Não lhe sorrias,
Que era matar-me.


DIAS, Antônio Gonçalves. Primeiros Cantos. Universidade da Amazônia. Nead – Núcleo de educação a distância. (1846)

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

HINO À DOR

Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam...

És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!

Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tato
Prendo a orquestra de chamas que executas...

E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!


ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1998

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

SAUDADES

Leva este ramo, Pepita,
De saudades portuguesas;
É flor nossa; e tão bonita
Não na há noutras devesas.

Seu perfume não seduz,
Não tem variado matiz,
Vive à sombra, foge à luz,
As glórias d’amor não diz;

Mas na modesta beleza
De sua melancolia
É tão suave a tristeza,
Inspira tal simpatia!...

E tem um dote esta flor
Que de outra igual se não diz:
Não perde viço ou frescor
Quando a tiram da raiz.

Antes mais e mais floresce
Com tudo o que as outras mata;
Até às vezes mais cresce
Na terra que é mais ingrata.

Só tem um cruel senão,
Que te não devo esconder:
Plantada no coração,
Toda outra flor faz morrer.

E, se o quebra e despedaça
Com as raízes mofinas,
Mais ela tem brilho e graça,
É como a flor das ruínas.

Não, Pepita, não ta dou...
Fiz mal em dar-te essa flor,
Que eu sei o que me custou
Tratá-la com tanto amor.


GARRET, Almeida. Folhas caídas. 2 ed. Mem-Martins : Europa-América.

domingo, 8 de novembro de 2015

Não Se Trata de Anjos

Sabemos muito bem que ainda há tempo
Então, é errado dançar esse verso?
Se o seu coração estivesse cheio de amor
Você desistiria?
Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
Nos fazem especiais
Não desista de mim
Não desista de mim
Quão injusto é o nosso acaso
Encontramos algo tão verdadeiro
Que está fora de alcance
Mas se você encontrasse nesse vasto mundo
Você teria coragem de deixá-lo ir?
Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
E nos fazem especiais
Não desista de mim
Não desista de mim
Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
E nos fazem especiais
Não se trata, não se trata de anjos
Anjos

sábado, 7 de novembro de 2015

MÚSICA DE MANIVELA

Sente-se diante da vitrola
E esqueça-se das vicissitudes da vida
Na dura labuta de todos os dias
Não deve ninguém que se preze
Descuidar dos prazeres da alma

Discos a todos os preços.


Oswald de Andrade. Postes da Light. Pau-Brasil (1925)

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O gramático

Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou.


Oswald de Andrade. Poemas da Colonização, 31 (1972)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O Laço de Fita

Não sabes crianças? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
                Num laço de fita.

Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
                O laço de fita.

Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
                Num laço de fita.

E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
                Ó laço de fita!

Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
                Um laço de fita.

Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
                Teu laço de fita.

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
                No laço de fita.

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
                Teu laço de fita.

ALVES, Castro. Espumas flutuantes. in Poesias Completas. São Paulo : Ediouro, s.d. (Prestígio).

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Virgens mortas

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velo engaste azul do firmamento:
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós, quando anoitece,
Cuidado! – o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,
- Piedade! elas vêem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras!


BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a
obra-prima de cada autor).