terça-feira, 12 de abril de 2016

Versos a Um Viajante

Ai! nenhum mago da Caldéia sábia
A dor abrandará que me devora.

F. VARELA

Tenho saudades das cidades vastas,
Dos ínvios cerros, do ambiente azul...
Tenho saudades dos cerúleos mares
Das belas filhas do país do sul!

Tenho saudades de meus dias idos
-Pét'las perdidas em fatal paul-
Pét'las, que outrora desfolhamos juntos,
Morenas filhas do país do sul!

Lá onde as vagas nas areias rolam,
Bem como aos pés da Oriental 'Stambul. . .
E da Tijuca na nitente espuma
Banham-se as filhas do país do sul.

Onde ao sereno a magnólia esconde
Os pirilampos "de lanterna azul",
Os pirilampos, que trazeis nas coifas,
Morenas filhas do pais do sul.

Tenho saudades. .. ai! de ti, São Paulo,
-Rosa de Espanha no hibernal Friul -
Quando o estudante e a serenata acordam
As belas filhas do país do sul.

Das várzeas longas, das manhãs brumosas
Noites de névoas, ao rugitar do sul,
Quando eu sonhava nos morenos seios
Das belas filhas do país do sul.

ALVES, Castro. Espumas flutuantes. in Poesias Completas. São Paulo : Ediouro, s.d. (Prestígio).

terça-feira, 5 de abril de 2016

VENDE-SE CORAÇÃO

Joaquim da Conceição Barão Rato
Vende-se um coração, velho, cansado,
Que sempre se doou, partido em cem,
Quem quer fazer um lance, se é que tem
Espaço p’ra, depois, o ter guardado?
Quem se candidatar saiba, porém,
Que o coração que vai ser leiloado,
Se vende tal qual ‘stá, no mesmo estado
Em que ficou das lutas de que vem.
Não leva garantia e tem tal uso
Que, muitas vezes, bate já confuso,
Descompassado, sem se controlar.
Quem o comprar também é bom que saiba
Que tem que ter um peito aonde caiba
Um sonho imenso por concretizar.

domingo, 3 de abril de 2016

TENTAÇÃO

Domingos Freire Cardoso
O vento está dormindo na calçada
A tempestade o pôs fora de portas
Já ia alta a noite, a horas mortas,
Quando ele entrou em casa de madrugada.
Andou a perseguir uma nortada
Que se agitava amena, em curvas tortas,
Pelos campos lavrados, junto às hortas,
E nela se enredou, noite fechada.
Não foi, de modo algum, um caso sério
Somente as aparências de adultério
Que agora paga, exposto ao pó da rua.
Em casa todos dormem sem cuidados
Só os raios do luar, sempre acordados,
O cobrem com a luz que vem da Lua.