sábado, 31 de outubro de 2015

Trecho de "A garota inglesa"

"Ele precisava de mais uma coisa antes de dar início à busca: um cúmplice. Bastante competente, completamente impiedoso e sem nenhum resquício de consciência. Ele precisava de Christopher Keller."  p.163

SILVA, Daniel. A garota inglesa. São Paulo: Editora Arqueiro, 2015. 336 p.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Publicado no livro Melhores Poemas de Manuel Bandeira, organização de Francisco Assis Barbosa. 15 ed. Global Editora, 2013.

domingo, 25 de outubro de 2015

VENCIDO

No auge de atordoadora e ávida sanha
Leu tudo, desde o mais prístino mito,
por exemplo: o do boi Ápis do Egito
Ao velho Niebelungen da Alemanha.

Acometido de uma febre estranha
Sem o escândalo fônico de um grito,
mergulhou a cabeça no Infinito,
Arrancou os cabelos na montanha!

Desceu depois à gleba mais bastarda,
Pondo a áurea insígnia heráldica da farda
À vontade do vômito plebeu...

E ao vir-lhe o cuspo diário à boca fria
O vencido pensava que cuspia
Na célula infeliz de onde nasceu.


ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1998

terça-feira, 20 de outubro de 2015

DESEJO

E poi morir.
— Metastásio

Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;

Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!


DIAS, Antônio Gonçalves. Primeiros Cantos. Universidade da Amazônia. Nead – Núcleo de educação a distância. (1846)

domingo, 11 de outubro de 2015

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados


Oswald de Andrade. História do Brasil. J.M.P.S.(da cidade do porto)Pau-Brasil (1925)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Poema VI

Hoje pensar me dói como ferida.
O próprio poema não é poema.
Tem qualquer coisa de trágico.
De sangue junto ao muro.
De pétalas descidas.
De véu cobrindo o retrato
de um morto.

Hoje pensar me dói como ferida.
Mas é uma imposição-pensar.

Não quero estado de graça,
nem aceito determinismo.
Só a morte é irreversível.

A opressão do azul
aumenta meu conflito,
e é cruel escutar as razões
da razão.

Quisera repartir-me
no cristal da manhã.

Ser um pouco daquela rosa
tocada de irrealidade;
de tênue luz ferindo
o espelho do rio;
daquela estátua pudica
que parece ter ressuscitado
a inocência

Mas em vez disso,
aqui estou:
queimada em pensamentos,
quebrados os instrumentos
do sonho.


Poema integrante da série Poemas Inéditos.

In: RIPOLL, Lila. Antologia poética. Rio de Janeiro: Leitura; Brasília: INL, 1968

Fonte: Escritas.org

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Immensis Orbitus Anguis

Sibila lambebant linguis vibranlibas ora.

VIRGÍLIO

Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda,
E lustra o dorso nu da índia americana...
Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda,
E pousa o colibri nas flores da liana.

Ali - a luz cruel, a calmaria intensa!
Aqui - a sombra, a paz, os ventos, a cascata...
E a pluma dos bambus a tremular imensa...
E o canto de aves mil... e a solidão... e a mata...

E à hora em que, fugindo aos raios da esplanada,
A Indígena, a gentil matrona do deserto
Amarra aos palmeirais a rede mosqueada,
Que, leve como um berço, embala o vento incerto...

Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado
A perna a n ais formosa-o corpo o mais macio,
E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado
Entrega um seio nu, moreno, luzidio.

Porém, dentre os espatos esguios do coqueiro,
Do verde gravata nos cachos reluzentes,
Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
E desce devagar pelos cipós pendentes.

E desce... e desce mais... à rede já se chega...
Da índia nos cabelos a longa cauda some...
Horror! aquele horror ao peito eis que se apega!
A baba - quer o leite! - A chaga - sente fome!

O veneno-quer mel! A escama quer a pele!
Quer o almíscar-perfume!-O imundo quer-o belo!
A língua do reptil-lambendo o seio imbele!...
Uma cobra-por filho... Horrível pesadelo!...

II

Assim, minh'alma, assim um dia adormeceste
Na floresta ideal da ardente mocidade...
Abria a fantasia- a pétala celeste...
Zumbia o sonho d'ouro em doce obscuridade...

Assim, minh'alma deste o seio (ó dor imensa!)
Onde a paixão corria indômita e fremente!
Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença,
Não boca de mulher... mas de fatal serpente!...

ALVES, Castro. Espumas flutuantes. in Poesias Completas. São Paulo : Ediouro, s.d. (Prestígio).