quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Immensis Orbitus Anguis

Sibila lambebant linguis vibranlibas ora.

VIRGÍLIO

Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda,
E lustra o dorso nu da índia americana...
Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda,
E pousa o colibri nas flores da liana.

Ali - a luz cruel, a calmaria intensa!
Aqui - a sombra, a paz, os ventos, a cascata...
E a pluma dos bambus a tremular imensa...
E o canto de aves mil... e a solidão... e a mata...

E à hora em que, fugindo aos raios da esplanada,
A Indígena, a gentil matrona do deserto
Amarra aos palmeirais a rede mosqueada,
Que, leve como um berço, embala o vento incerto...

Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado
A perna a n ais formosa-o corpo o mais macio,
E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado
Entrega um seio nu, moreno, luzidio.

Porém, dentre os espatos esguios do coqueiro,
Do verde gravata nos cachos reluzentes,
Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
E desce devagar pelos cipós pendentes.

E desce... e desce mais... à rede já se chega...
Da índia nos cabelos a longa cauda some...
Horror! aquele horror ao peito eis que se apega!
A baba - quer o leite! - A chaga - sente fome!

O veneno-quer mel! A escama quer a pele!
Quer o almíscar-perfume!-O imundo quer-o belo!
A língua do reptil-lambendo o seio imbele!...
Uma cobra-por filho... Horrível pesadelo!...

II

Assim, minh'alma, assim um dia adormeceste
Na floresta ideal da ardente mocidade...
Abria a fantasia- a pétala celeste...
Zumbia o sonho d'ouro em doce obscuridade...

Assim, minh'alma deste o seio (ó dor imensa!)
Onde a paixão corria indômita e fremente!
Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença,
Não boca de mulher... mas de fatal serpente!...

ALVES, Castro. Espumas flutuantes. in Poesias Completas. São Paulo : Ediouro, s.d. (Prestígio).

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